quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Verbo ir

"Até podes deixar a luva, mas não deixas a tua mão.
Até podes deixar o teu cheiro mas o teu abraço não fica em mim entranhado.
Até podes deixar a alma e o pensamento mas não estás e só o facto de não estares faz com que estejas em todo o lado, até naqueles lugares que não eram meus nem nunca foram; e nem nossos  mas que por sinal já o são. Lugares ao acaso e aleatoriamente como estarmos vivos hoje e amanhã já não estarmos aqui para contar a história. Gosto de memória e de memórias, mas não de dramatismos nem de outra vida que não a minha.
A tua luva ali ficou, onde a deixaste. Não. Não lhe peguei . Fiquei com as memórias,  com os sabores, com brisas efémeras de um tempo que passa a correr.
Até podes ter deixado pedaços teus, e deixaste, mas nunca deixaste pedaços nossos. Não te atreveste por saberes não ser possível.
São escolhas. Ou seguimos com as mãos quentes ou com as mãos frias. De luvas ou sem luvas, o que  interessa é o calor que nos vem de dentro quando penso que até podes ter deixado a luva, mas não deixaste a tua mão.
E agora passou a luva, a mão,  a memória e a história. Concluindo, o passado passou e o que ficou para trás ficou. "

Vanessa Cardui
(Excerto de romance)


Foto: Christian aka raspuns.ioana instagram

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