segunda-feira, 12 de junho de 2017

Lectus

Ela era uma menina completa demais. Pensava demais. Sofria demais, só para ela. Ela sabia ser adulta sendo criança. Um pouco absurdo mas real.
Ela era muito mais do que aquilo que alguma vez julgou ser ou que alguém julgou que ela fosse!
Ela censurava-a a ela mesma porque não havia ninguém que a censurasse, por ser pura, por ser genuína,  por ser inteira e a mais. Não um a mais de sobrar, mas um a mais de prodígio. 
Ela era assim, simples e verdadeira. Sem peneira mas a ver o mundo por peneiras, se assim houver necessidade.
Ela era assim, amada pelos seus e censurada pelos que nem sabem o que são sentimentos, quanto mais pessoas sem opiniões formadas.
Ela era pequena mas inteira. Compactada. Talvez mulher em forma de sereia e uma menina colorida de um qualquer conto de fada. Ela não gostava de palácios. Gostava de campos de trigo e de brisas de vento. Ela gostava de ser ela e, ao sê-lo, sentia-se leve!
Ela queria sentir como sempre sentira... só e para com ela sem que ninguém se apercebesse! Ela não gostava de sofrer. Ela gostava de sofrer. Ela não era mãe mas gostava de ser mãe... tinha o prazer de cuidar e de dar a ser o que até poderiam não querer ser. Ela tinha esperanças pelos outros. Ela acreditava mais nos outros do que nela mesma. Eles acreditavam mais neles do que nela. Afinal quem é que  estava errado? Ela. Sempre ela. Ela assumia todas as culpas. Sempre. Ela era assim.
Ela gostava de ser sem que lhe pedissem para ser e era por isso que o era... e o continuaria a ser.

Vanessa Cardui
(In "Crónicas (De)Vidas")

*lectus= censurada (latim)


Foto: Paulo Correia

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